Acabou-se a década, Viva a década!
O melhor onze do Sporting nos últimos dez anos, para mim, é este:
– Schmeichel na baliza. Não é preciso dizer muito mais. Foi um acidente cósmico ter aparecido em Alvalade este gigante da história do futebol. Deu-nos tantas alegrias, divertiu-nos e deu-nos um título. Tenho algumas dúvidas que conseguíssemos ser campeões em 2000 sem o Peter. Um líder e um grande, grande guarda-redes.
– Rui Jorge a defesa esquerdo. Outro líder, um jogador mais inteligente que os outros e, no pico, um excelente defesa. O final da carreira, a jogar como número 10 de cadeirinha, na esquerda, foi uma montanha-russa de emoções. Mas foi bicampeão. E não podia ser outro o defesa esquerdo da década.
– Rogério a defesa direito. É a escolha mais complicada por faltas de comparência. Nos melhores jogos – quando queria – era um defesa direito do melhor que havia por aí. Ganha o prémio por duas razões: fraco fisicamente (a barbacoa é lixada), era muito inteligente a jogar à bola; marcou o golo que devia ter sido dos mais importantes da história do clube. Não fosse o descalabro emocional, táctico e futebolístico que se seguiu.
– André Cruz a central. O melhor central do Sporting na década e um dos melhores jogadores que vestiu de verde e branco. Peça chave no título de 2000, era um prazer vê-lo jogar à bola. Um exemplo de como defender também pode ser bonito, de como os livres directos são obras de arte e de como o carácter pode liderar, sozinho, um grupo de homens.
– Beto a central. Um bicampeão maltratado pelas oscilações de rendimento. Mas no topo da carreira, era um líder como poucos, um bom central e deu sempre tudo pelo clube. Não merecia ter saído do Sporting como saiu, em mais um exemplo de como os maiores inimigos do clube estão, muitas vezes, lá dentro.
(a partir daqui a coisa complica-se. Assumo a escolha táctica arrojada e ao total arrepio da essência do clube. Mas explico)
– Duscher a trinco. Foi o médio de cariz defensivo mais completo que passou por Alvalade na última década. Tinha muito sangue na guelra, muita estamina, tinha passe, tinha alguma técnica, tinha pouco remate, mas muita sacanice para a idade. Foi a alma daquele meio-campo de 2000. E até, a espaço, a classe. Nunca teria rendido tanto sem gente como o Vidigal ou o Delfim ao lado e, por isso, esta nomeação também é deles os dois.
– Pedro Barbosa a médio esquerdo. O jogador bipolar. Ele próprio e a relação que mantinha com a bancada. Nos momentos mais baixos, não houve outro que me irritasse tanto. Nos picos, foi o meu herói. Fez coisas com a bola que mais ninguém fez de verde e branco, esta década. Coisas lindas, arte pura. Foi líder e carrasco, no balneário. Foi bicampeão. Foi importante mas não foi fundamental. No entanto, a década não teria sido a mesma sem ele.
– Quaresma a médio direito. Foi o extremo maravilha que mais rendeu desportivamente ao Sporting. E, em 2002, aquele arranque da época, depois da falsa partida, teve um dedo muito importante do ciganito. O drible mágico – muitas vezes parado – foi do melhor que se viu de verde-e-branco. E aquele centro para o golo do Niculae contra o Porto conquistou-me. Perdoo-lhe o resto, porque foi mais vítima que culpado. Mas foi o único puto-vedeta campeão.
– João Pinto a dez. O pai. O jogador mais marcante do futebol em Portugal nos últimos 20 anos vestiu de verde-e-branco e, além de campeão, fez o impossível em Alvalade: passou de símbolo lampião a consensual em Alvalade. Foi uma personagem maior que o homem e um futebolística único. Só o João Vieira Pinto teria conseguido unir os adeptos dos grandes rivais na opinião quase unânime sobre a sua classe.
– Jardel a avançado. O filho. Poucas palavras para um fenómeno. O único verdadeiro fenómeno futebolístico que passou por Alvalade nos anos 2000. Sem ele, pura e simplesmente o caneco de 2002 não estaria no Museu Leonino. O resto é treta.
– Acosta a avançado. O meu grande ídolo do Sporting da última década. Inatacável. Uma entrega fantástica, uma personalidade ímpar, um calo futebolístico de que me lembro muitas vezes durante os jogos do Sporting. E classe. Golo. Tivesse o Sporting tido a felicidade de o apanhar no pico da carreira e, acredito, a história moderna do clube teria sido diferente. Mas mesmo velhinho e com ciática, o Nosso Matador deu-nos um título. O título. Sem aqueles golos mijadinhos a coisa não teria sido igual. E o golo ao Porto é inesquecível.
O critério desta selecção vale tanto como outro qualquer. Eu escolhi os jogadores que misturam rendimento com mística. A táctica explica-se por exclusão de partes. Nenhum médio defensivo (Paulo Bento) ou central (Moutinho) justificou que ficasse de fora qualquer um dos médios escolhidos. Nenhum extremo puro justificou que abdicasse do João Pinto, a razão principal da táctica arrojada e, admito, pouco provável no mundo real.
Duas ausências merecem uma explicação por aparentemente gritantes:
Ronaldo – foi o melhor jogador que passou pelo Sporting na última década. Mas deu pouco futebolisticamente. Foi um meteoro que já só vimos a cauda e que, se tivesse ficado até ao fim daquela época, teria recolocado os adeptos no Marquês. Foi um erro histórico e só aceitável pelo facto de a ganância fazer parte da natureza humana.
Liedson – não ganhou nada. É responsável pelos melhores momentos do clube em época de vacas magras. É muitas vezes vítima das deficiências alheias, mas as suas limitações também o impedem de carregar mais a equipa às costas, sobretudo nos momentos chave das temporadas. Ainda tem tempo. Mas desconfio que o melhor do Liedson já passou (um tema que fica para outras núpcias).
Esta foi a melhor década do Sporting desde os anos 70. Também foi a mais dramatizada, fruto dos tempos extremados que vivemos. No início da década acreditei que vinham aí anos de domínio absoluto do futebol português. O Sporting tinha tudo para isso, não fosse a ambição egoísta dos homens ou a incompetência média que invadiu o clube. A próxima década é um vazio de incerteza. Aconteça o que acontecer só tenho duas certezas: num instante tudo muda; e a geração dos “18 anos de seca” será a força dominante do clube, com consequências inevitáveis no relacionamento emocional com o futebol… na vitória, é uma paixão avassaladora, do mais forte que há no desporto mundial… na derrota, acelera a degradação dos ciclos futebolísticos até níveis preocupantemente dolorosos. Seja como for,
SPORTING!