O melhor momento deste jogo foi quando faltou a luz em minha casa. Foram os 10 minutos mais fortes do meu sportinguismo, esta noite.
Mas o momento voltou a pertencer ao Cabral, que vai deixar saudades. Pelo sentido de oportunidade humorística. A minha insanidade leonina é tal que já está na fase do riso histérico. Portanto, exige-se uma leitura cuidada do pensamento desta grande figura da comicidade portuguesa (quiçá, mundial)…
…”O futebol é assim mesmo”. É. Um recurso inteligente às bengalas de outros grandes, imortalizada por Fernando Santos em Alvalade.
“Há muito pouco a falar”. Há, porque há pouco para pensar. Como não há muito pensamento, opta-se pela reduzida oralidade. Mais uma vez, inteligente. Talvez marcasse mais pontos com um mais tradicional “que quer que lhe diga”. E repare-se que não há “pouco”. Há “muito pouco” para falar. Só peca por excessivo. Não há nada para falar.
“Tivemos bem. Lamentavelmente, não conseguimos marcar golo. Paciência”. Repare-se na utilização de um advérbio mais comum na língua espanhola. Uma piscadela a outros mercados? Já o diagnóstico mantém a total alienação da realidade. Gosto da opção, mas preferia outra abordagem, um pouco mais demente. Eu apostava num “continuamos a acreditar no título, enquanto for matematicamente possível”. O Cintra gostava mais de um “assim não vamos lá. Acho que com a partida de hoje, tudo se complicou”. Em qualquer dos três casos, uma total alienação. Já a “paciência”, revela o nacional-porrerismo desta gente, gente boa, bem disposta, é preciso é saúde, um copo de tinto resolve tudo, amanhã o sol nasce na mesma, o galo cantará, importante é sermos dignos e trabalharmos. Um clássico.
“Não… o futebol é assim mesmo.. o fim da relação concretizou-se”. A típica negação de início de resposta, comum nas estratégias de auto-defesa. Branco ou tinto? “Não, branco”. Delicioso. Repetição do momento intelectual mais forte, acrescentado posteriormente pela “eficácia é tudo. Não fomos eficazes”. E uma referência ao divórcio entre o clube e o chefe de equipa, o seu chefe. O único líder da equipa técnica, diz ele. Equipa da qual Cabral pertence. Líder que foi despedido. Mas Cabral não… Isto ou é muito estúpido, para além da compreensão humana, ou é genial, para além da compreensão humana.
“Compreendo perfeitamente a sua pergunta”. Óptimo, está meio caminho andando.
“Paulo Sérgio faz tudo em grupo”. Um bombom. Podemos fazer o que quisermos com este docinho, cortesia de Cabral. Mas eu prefiro imaginar um final de refeição com todos os membros da equipa técnica presentes. A determinada altura, Paulo Sérgio pede um café. Todos – e são muitos, os cabrões – pedem um café. Paulo Sérgio levanta-se e peida-se. Cabral ri-se e vira-se para o grunho do Nélson (ex- defesa esquerdo, que deve ter diálogos palpitantes com o Cabral): “viste, o mister faz tudo em grupo, pá”. Paulo Sérgio peida-se outra vez. E todos se peidam. Chega a ser ternurento, só de imaginar.
“Saímos daqui satisfeitos”. Claro. Sempre. Sempre satisfeitos. Paciência, o que é preciso é saúde.
“O Paulo fez o máximo e esse máximo ninguém pode apontar nada”. Para além da criatividade gramatical, Cabral constata o óbvio, com uma clarividência desarmante. Ele deu o máximo dele, que é muito pouco, tão pouco como o pouco que há para falar. É tudo muito poucachinho. Mas é o máximo. E para Cabral, estes cinco minutos (só? pareceram mais, o tempo passa devagar quando as palavras correm livres) são também o máximo… o seu máximo de carreira, o seu topo. A partir daqui será sempre a descer. É pena, o mundo é cruel.
PS: Diz-me o Cintra no final do jogo: “se me dessem a escolher entre o Postiga e o Tiuí, eu escolhia o Tiuí”. Eu também!
PS2: Apesar desta catástrofe disfarçada de época futebolística, o Sporting está em 3º. Não admira que os Cabrais deste futebol tenham lata para acharem que são capazes de chegar ao Sporting. O que já admira – e muito – é que alguém os contrate.