A Palestra

Não tenho na memória quais foram as razões que me levaram a dizer «sou do Sporting».
Escolhi. Sozinho. Numa família onde tios e tias me diziam para ser de outras cores e os meus pais me deram total liberdade para decidir qual era o meu clube. Tinha cinco anos.
Desse dia em diante, tudo foi diferente. Porque assumir que se é de alguma (ou alguma coisa), implica passar das palavras aos actos. E eu fiz o que podia.

Pedi uma camisola. E um cachecol. Depois pedi o equipamento.
Passei a exigir que os meus bolos de aniversário tivessem em cima um campo de futebol onde se disputava um derby, e que esse mesmo bolo fosse para a mesa com a bola de chocolate metida dentro da baliza do Benfica. E, terminada a festa, continuava o jogo a meu belo prazer.
Tive uma fase em que não queria vestir nada vermelho ou azul.
Passei a dizer que, quando fosse grande, queria ser jogador do Sporting.
Pedi um pequeno rádio. Verde e preto. Para ouvir os relatos do Sporting onde bem me apetecesse. E foi assim que ouvi os 7-1, festejando sozinho numa rua onde era o único Leão.
Aprendi a fazer desenhos. Quase todos com alguém vestido de camisola verde e branca. Aprendi a fazer zarabatanas e utilizava fita verde e branca para unir os vários tubos.
Tentei passar ao meu irmão tudo o máximo que podia sobre ser do Sporting. (e resultou). E acabei por contaminar o meu pai e a minha mãe.
Procurei até à exaustão a equipa do Sporting, no Subbuteo. Como não encontrava ou esgotava assim que vinha, e me recusava a comprar o Celtic, comprei uma equipa com calções pretos e camisolas brancas. Depois pintei as riscas, numerei as camisolas e personalizei os jogadores. Joguei Match Day sempre com o Sporting, numa versão alterada por um amigo meu viciado em programar em Spectrum. Depois personalizei as equipas no Sensible Soccer. Joguei com o Sporting no CM. E ainda hoje marco golos no ProEvolution com o Sporting.
Dei porrada a quem me gozava, na escola, logo pela manhã, depois de uma derrota.
Passei a sonhar, a dormir ou acordado, que marcava grandes golos com a camisola mais bela do mundo. E fui atrás do sonho. Três vezes. Equipei-me dentro do velhinho Alvalade e mostrei o que dava para mostrar, em tardes com três centenas de putos a rodarem, no pelado ao lado do Estádio. E é a única coisa que me irrita quando penso nos meus pais: não me terem deixado ir a esse mesmo pelado uns anos antes.
Noutros pelados, noutros relvados, na rua, joguei sempre à Sporting. Perder era inaceitável. Baixei as meias, à Douglas. E tentei jogar sem caneleiras. Marquei livres à Valtinho e à Paulo Torres. À Balakov, à Valckx e à André Cruz. Defendi penaltis à Ivkovic. E inspirei-me em Paulo Sousa e Aldo Duscher.
Fiz compilações em VHS dos resumos dos jogos do Sporting. Gravei relatos. E ouvi outros sempre na mesma posição, no mesmo sofá, na mesma frequência. Porque acreditava que dava sorte. E, quando perdíamos, era porque eu tinha feito algo de mal na transmissão da sorte via ondas hertzianas.
Chorei baba e ranho com a conquista do título sem o qual tinha crescido. E chorei várias outras vezes, de raiva e de alegria, deixando de comer por causa de derrotas e sentindo as veias da cabeça quase a explodir por tanto festejar um golo.

Hoje, quase a fazer trinta e cinco anos, continuo a sonhar, a dormir ou acordado, que marco grandes golos com a camisola mais bela do mundo. E se me perguntassem «o que é que queres ser quando fores grande?», eu responderia, «quero ser jogador do Sporting».
E, se o fosse, garanto-vos que seria necessário partirem-me as duas pernas para eu sair do campo sem a vitória conquistada!