Pormenores

Estou a assistir ao Madrid-Borussia através do inglês Sport +3. Intervalo. Estúdio. Quatro gajos analisam a partida. Quatro gajos falam de futebol. Gary Lineker conduz o programa, tendo como parceiros de conversa Graeme Souness, Trevor Francis e Steven McManaman. Por momentos, penso nas análises aos jogos feitas cá no burgo. E sinto que aterrei noutro planeta.

Coisas que merecem o meu aplauso

Quase 14 mil pessoas, para assistirem ao jogo que podia trazer o Farense de volta à II Liga. Prova de vitalidade, de um clube que, tal como o Académico de Viseu e o Chaves, faz parte do meu imaginário futebolístico. Querem lá ver que ainda vou voltar a ver uma caderneta de cromos, onde estes clubes partilham as páginas com o Sporting?

p.s. – a FPF chumbou a proposta de alargamento da Primeira Liga. Mais palmas.

Rojo

Depois de tantos jogos a fazer-nos perder a paciência, aproveita o estabilizar da equipa para rubricar duas exibições consistentes, frente ao Benfica e frente ao Nacional. Neste último, com o bónus de um fantástico cabeceamento que valeria a vitória.
Sim, é verdade que Marcos Rojo, acabado de fazer 23 anos, tem larga margem de progressão. Sim, é verdade que as suas características físicas podem ser as de um central. Sim, é verdade que não é fácil encontrar um central que jogue com o pé esquerdo e que não seja lento. Sim, é verdade que temos que ser pacientes.
Ainda assim, e pelo menos para já, continuo a achar que preferia vê-lo junto à linha. Porque é melhor do que Joãozinho, porque não o vejo muito certeiro nos passes quando quer ser ele a iniciar jogadas e porque continua a aborrecer-me ver Dier longe do centro da defesa.

Marketing

Eu percebo a acção que levou a que Cristiano Ronaldo fosse o sócio 100 mil. A questão é: e o que vamos fazer com isso?
Passo a explicar. Lá por fora, neste mundo do futebol, o facto terá um impacto mínimo. Cá dentro, se a mim, que estava no estádio, o momento pouco me entusiasmou, não acredito que tenha entusiasmado quem soube da efeméride pela televisão, pela rádio ou pela imprensa. Mas este poderia ser um excelente ponto de partida para uma campanha alicerçada em Cristiano Ronaldo.
Ronaldo é uma referência para milhares de crianças e adolescentes que, com toda a certeza, quereriam imitá-lo caso a mensagem lhes fosse dirigida. Tal como outros milhares de miúdos quereriam jogar no Sporting, se Ronaldo lhes recordasse que foi aí que começou a conquistar o mundo. Até por esse mundo fora, uma mensagem dirigida aos Sportinguistas espalhados pelo planeta, traria dezenas de novos sócios. Mensagens. Curtas. Fortes. Objectivas. Mas com alvo definido. Se o que se passou ontem tiver sido um primeiro passo nesse sentido, o meu aplauso. Se tiver sido o que foi, epá… serviu de embalo para ir comprar pipocas para a minha filha.

Nós acreditamos em vocês! (apesar do masoquismo)

Golo do Nacional. Bruma debaixo de fogo, no relvado e nas bancadas. Schaars manda calar Rinaudo (enorme, Sr. Cimento, enorme) e conforta o puto. Eu contenho a minha vontade de mandar calar os gajos que, a meu lado e atrás de mim, gritam «não se brinca aí!», esquecendo-se que aquele golo era anunciado desde o apito para o início da segunda parte. E esquecendo-se que Bruma era, nessa altura, um jogador a menos.

Mas a beleza do futebol reside nestes pormenores incontroláveis. Bruma passa para defesa direito (já percebi o porquê do Miguel Lopes ter sido incluído no negócio do Izma: está tantas vezes lesionado como o russo, mas recupera mais depressa), Viola entra para falso extremo esquerdo, e o Sporting parte para 15 minutos finais de enorme fulgor.

Para trás ficava uma excelente entrada em jogo, com Bruma e Capel endiabrados, André Martins a pautar, dois laterais que só sabem atacar (sim, falta o resto) e dois centrais a dizerem presente. Tudo isto à luz de um sol de que tantas saudades tinha de ver nas bancadas de Alvalade. Um golo monumental (sério, ainda alguém é capaz de dar o calcanhar do argelino como exemplo, depois deste golo ou do do Ricky?) e oportunidades para fazer mais um ou dois nos primeiros trinta minutos de jogo, equipa a respirar confiança (até em demasia, nalguns lances, quase parecendo jogar para a nota artística), mas a baixar o ritmo nos últimos dez minutos da primeira parte. No reatamento, a atitude e a intensidade ficaram no balneário (tal como o sócio 100 mil ficou em Madrid, num momento ridículo que merecia, pelo menos, um telefonema). Jesualdo demorou em sacudir o jogo (e, sim, não teve sorte com  entrada de Labyad) e aquele que tinha tudo para ser um bonito final de tarde, ficou ensombrado.

Mas a beleza do futebol reside nestes pormenores incontroláveis. Bruma passa para defesa direito (já percebi o porquê do Miguel Lopes ter sido incluído no negócio do Izma: está tantas vezes lesionado como o russo, mas recupera mais depressa), Viola entra para falso extremo esquerdo, e o Sporting parte para 15 minutos finais de enorme fulgor (sim, já o tinha escrito, mas encarem isto à laia de um flashback cinematográfico, daqueles que contextualiza a cena principal).

Boraaaaaaaaaaaaaa!, grita-se das bancadas, de cada vez que a equipa recupera uma bola e parte para o ataque. Rufam os tambores das claques, cada vez mais alto. «Nós acreditamos em vocês!», entoa-se a plenos pulmões, num rugido que embala os que correm na relva. Tenta-se uma, duas, três. Ilori faz um carrinho fantástico, mesmo à minha frente. Boraaaaaaaaaaaaaaaaaaa! A bola está do lado de lá, novamente. Cruzamento de Bruma e o anúncio da marca de cerveja a tornar-se real: por momentos,  o coração pára. Vejo um gesto técnico brilhante, mas não vejo quem cabeceia. Ouro herói improvável, novamente vindo da argentina, fico a saber pouco depois. Isto faz mal ao coração, mas faz bem à alma. «Nós acreditamos em vocês!», entoam os dois topos.
Pois acreditamos. Mas dava jeito não esquecer os erros cometidos e, se possível, ser um bocadinho menos masoquista.

Por ti eu vou cantar, faça chuva ou faça sol

Sou do tempo em que existia um jornal chamado A Gazeta dos Desportos. E um prémio intitulado Troféu Gandula para Melhor Claque que, ano após ano, me habituei a ver se entregue à Juventude Leonina. Coleccionava recortes de fotografias que mostravam as coreografias, as mesmas que me prendiam a atenção quando comecei a ir ao futebol, por volta dos oito anos. As bandeiras gigantes, os fumos, os cânticos, as tochas. Leões empoleirados na rede de um velhinho Alvalade, ora festejando golos, ora de megafone em punho, dando indicações para a bancada.

Interessei-me pelo universo ultra, vendo nele um complemento ao meu espectáculo preferido, o futebol. Comecei a rumar ao topo sul, muitas vezes num caminho que se fazia com várias paragens: primeiro na estação dos barcos, do Barreiro, depois no terreiro do Paço, na Pç da Figueira ou no Saldanha. O cachecol (e, que raio, quantas vezes mudou a puta da forma de usá-lo, numa actualização que, se não acompanhada, fazia de nós uma espécie de palermas da fila da frente) e a voz afinada eram o equipamento obrigatório, desfilando pela rua com um único objectivo: cantar, bem alto, o nome Sporting! E, nesse cantar, as memórias são vastas: da falta de voz durante dois dias aos encontros com claque rival a meio do rio, quando Sporting e Benfica jogavam, em casa, no mesmo dia; de 90 minutos à chuva à carruagem travada a meio do caminho, no regresso do Jamor; o salve-se quem puder, em pleno Terreiro do Paço, fruto de uma carga policial onde um dos nossos levou uma bastonada na cara e a forma de combater a dor foi espeta-lhe gelados em cima; as caminhas, de ida e volta, rumo à Luz; as idas às Antas, com as célebres (e estúpidas, diga-se) limpezas nas estações de serviço, a atitude vergonhosa da polícia tripeira e as chuvas de pedras num estádio de merda que ficava abaixo do nível da rua; as idas à rede, galgando degraus de bancada e atropelando quem caia pelo caminho (e, numa dessas vezes, quando o Afonso Martins marca o golo ao Porto na meia final da Taça, safar uma miúda de ser pisada e acabar a noite a festejar com ela); o dossier verde, na faculdade, orgulhosamente forrado com imagens de coreografias da Juve e de outras claques do mundo que me mereciam respeito (e que via e comentava, vezes sem conta, com o Jordão, o Douglas e o Cintra); a mesada canalizada para zines ultra; a colecção de cachecóis de claques de todo o mundo; aquele maldito fim de tarde, em 95, onde fui um dos que caiu quando o varandim cedeu…

A lista continuaria até, fruto de várias atitudes que me iam desagradando, ter-me afastado um pouco e ter deixado de ser sócio da claque. O último episódio digno de registo de que me recordo, é aquela inesquecível meia-final, frente ao Benfica (5-3), onde a sul voltou a ser maior do que os interesses políticos e económicos que conduziram à criação do Directivo. Nessa noite, ensopado até aos ossos, voltei a subir à rede, perante o olhar surpreso da minha mulher. Nessa noite, voltei a sentir que era a nossa falta de voz que carregava o Leão, e fui capaz de esquecer todas as tristes cenas que tinham sido protagonizadas pelos líderes da mais antiga claque portuguesa. Líderes que promovem a agressão a outros sócios, em filas para a compra de bilhetes ou em conferências de imprensa; líderes que assumem, perante as câmaras de televisão, que são incapazes de ser diferentes dos que batem em crianças e mulheres apanhadas no meio da confusão; líderes que afirmam estar à margem das campanhas eleitorais e que, depois, surgem em almoçaradas de um dos candidatos.

Mas uma claque é muito mais do que os seus líderes, por mais que eles achem que não. A claque alimenta-se de vozes anónimas, algumas delas pontuais, todas dispostas a cantar pelo seu Sporting. As mesmas vozes anónimas que, há uma semana, fizeram Cardozo levantar-se do banco e, atónito, perguntar aos 59 mil do seu clube como era possível só ouvir os três mil de verde e branco vestidos. As mesmas vozes anónimas que, espero, amanhã mostrarão que não é só o Sporting que é nosso outra vez. A curva, também!

Limpinho, limpinho

Não sei o que me dá mais vómitos: se o Bufas e o Vitinho a choramingarem a arbitragem, se o Cruyff de Felgueiras a lamentar o cantinho que o conduziu à derrota.
E, tendo em conta o castigo que parece ter sido decidido, diria que o Capela teve uma sorte do cacete em fazer uma arbitragem limpinha, limpinha. Se tivesse tido alguma mancha, era coisa para ficar um ano sem apitar…