Sento-me, encostado a uma imaginária Porta 10-A. A mesma por onde tantas vezes espreitei, da qual tantas vezes vi sair os craques que queria imitar, aquela por onde, com o coração demasiado acelerado, entrei para equipar-me, antes de prestar provas num demasiado lotado treino de captação. 10-A, uma espécie de equação que acompanhou o enraizar dos meus sonhos verde e brancos.
Nesses sonhos, que ainda hoje são válidos, desde cedo imaginei um Sporting conquistador, capaz de bater o pé a qualquer adversário e capaz de conquistar o mundo com uma equipa formada a partir das escolas leoninas. Talvez fosse a minha vontade de jogar de Leão ao peito, talvez fosse a noção de que esse lado formador está-nos no sangue. Quando Figo se juntou a Balakov, acreditei que isso era possível. Havia craques, havia putos formados em Alvalade, havia gente experiente. Era uma equipa de sonho, que se desfez conquistado, apenas, uma Taça de Portugal. Lá por fora, outro exemplo de aposta na formação, o Ajax, vencia a Liga dos Campeões com os putos Kluivert, Davids, Seedorf, Kanu, Overmars, com o incontornável Rijkaard, com um amigo do nosso Amunike chamado Finidi e com um craque finlandês chamado Litmanen. E o meu sonho alimentava-se desse momento.
Veio o inesquecível título, na viragem do milénio, a que se seguiu nova conquista do campeonato, dois anos volvidos. Em três anos, passaram por Alvalade craques para todos os gostos. Apareceram Quaresma e Hugo Viana. Mas não se aproveitou aquele que podia (e devia) ter sido o momento, incluindo o aparecimento de Cristiano Ronaldo. Mais dois anos de espera, e eis que se reúnem João Moutinho, Hugo Viana, Custódio, Carlos Martins, amparados por jogadores como Pedro Barbosa e Rui Jorge, potenciados pela presença de Liedson ou da versão original de Rochemback. O sonho estava ali, à distância de dois jogos. Perdeu-se tudo. Menos o sonho.
Aos putos juntaram-se outros putos. Nani, Miguel Garcia, André Marques, Pereirinha, Djaló e até um tal de David Caiado. Rui Patrício, claro. Estivemos novamente perto, muito perto, de celebrar a aposta na formação, algo que foi impedido fora de campo. Esta era, igualmente, a altura em que os putos já só contavam com dois ou três colegas mais experientes para os ajudarem a levar a equipa às costas. Apertava-se o cinto e o pouco dinheiro disponível era gasto em Ronnys e Farneruds. Tornou-se moda, infelizmente, com os sintomas a mostrarem-se inapelavelmente agravados com a contratação de Pongolle e a oferta, em bandeja, de Moutinho ao fcp.
Com o Leão ligado às máquinas, avançou-se para eleições e, no seguimento das mesmas, inverteu-se o rumo. Voltaram as contratações milionárias, mesmo que o dinheiro prometido para as mesmas mais não fosse que o agigantar do nosso passivo. Patrício, Carriço, André Santos e Pereirinha representavam o Made in Sporting por entre uma legião de estrangeiros da qual se terão aproveitado três ou quatro. O sonho torna-se pesadelo e, em desespero de causa, deita-se mão… à formação. Primeiro André Martins, depois os regressados Adrien e Cédric, seguindo-se Ilori, Eric Dier, Bruma, Zezinho, com Esgaio, Betinho, Fokobo e João Mário prontos para qualquer eventualidade.
É com eles que temos que contar, num dos momentos mais complicados da nossa história. Mas, também, num dos mais importantes. Talvez tivesse que ser assim, desta forma dorida. Talvez se tivesse que pintar a negro, algumas páginas de uma magnífica história. A grande questão que se coloca é saber se nós, Sportinguistas, estaremos preparados para o que aí vem?
Se estaremos preparados para provar que a ideia de “seguir o modelo do Dortmund”, é algo mais do que um devaneio quixoteano. Se estaremos preparados para repudiar, de uma vez por todas, o encher de bolsos a comissionistas de serviço. Se estaremos preparados para tectos salariais aos quais, ao que parece, até filhos da casa com meia dúzia de jogos na equipa principal torcem o nariz. Se estaremos preparados para cerrar os dentes, sabendo que continuamos a lutar por um Sporting que quase nos conseguiram roubar. E que voltaram a tentar roubar, poucos dias após as eleições, numas negociações que estiveram quase a tornar-se numa conferência de imprensa histórica. Se estaremos preparados para aceitar que a travessia do deserto ainda poderá levar mais dois, três, quatro anos. Se estaremos preparados para dar tempo aos nossos putos e às suas dores de crescimento. Se estaremos preparados para mostrar que, efectivamente, ser do Sporting vai muito além da conquista de títulos.
Levanto-me e ajeito a camisola que nunca dispo, verde e branca, com um Leão sobre o coração. Volto a olhar para a 10-A imaginária, onde cabem os meus sonhos, que parecem tão distantes, e tremendos desafios. Está aberta e, ao espreitar, vejo um longo corredor mal iluminado. O coração volta a bater demasiado depressa, como há vinte anos. Mas, no meu pensamento, paira uma única certeza: «Se estava disposto a começar do zero, para não te entregar, mais disposto estou a lutar a teu lado, meu Sporting!»