«oh pai, porque é que o Sporting não ganhou?», pergunta-me a minha filha, pela sexta ou sétima vez, depois de eu ter regressado do derby.
E, de cada vez que ela o faz, entro em modo flashback e obtenho duas respostas que me parecem demasiado elaboradas para justificar o empate a uma criança que acabou de fazer quatro anos: o Sporting não soube matar o jogo na primeira parte, altura em que enfiou o candidato balofo no canto do ringue sem saber dar-lhe o soco devido; o Sporting voltou a disputar um derby onde os dois pontos perdidos (sim, perdemos dois pontos) vão direitinhos para a pontuação do árbitro que, a continuar assim, terá um futuro radioso pela frente.
É patético (eu bem sei que seria complicado esperar o contrário) ouvir Jorge Jesus afirmar que o Benfica foi mais equipa. Desde logo porque, neste momento, o Benfica não tem equipa. Tem um conjunto de jogadores com qualidade: uns qualidade técnica, outros qualidade a fazer faltas. Desse mix, que tanto parece agradar ao treinador, resultou um empate que só satisfez a equipa da luz. Pelo contrário, o Sporting mostrou, uma vez mais, um colectivo, uma ideia de jogo e fundamentos na forma como o aborda. Naquele que era apontado como o grande teste à juventude treinada por Leonardo, a resposta não podia ser mais positiva. A primeira parte, então, não podia ser mais esclarecedora: futebol vistoso na forma como encontrou soluções atacantes, mudanças de flanco, posse de bola segura e personalizada. Uma defesa segura e cada vez mais entrosada, com Jefferson a ter maior liberdade para subir pelo flanco (grande jogo do brasileiro, um dos melhores em campo enquanto esteve no seu lugar); um meio campo que deixa rendido qualquer um que goste de futebol (monstruoso William Carvalho, impressionante Adrien com as suas rotações no espaço de uma tampa de esgoto, incansável Martins na ocupação de espaço e tentativa de esticar a equipa); um ataque com um puro craque, Fredy Montero (mais uma batata enfiada pela peida do Tadeia). Faltou, apenas, a capacidade para deixar ko o adversário, muito por culpa de uma noite pouco inspirada dos extremos Wilson e Carrillo, com este último a conseguir enervar-me a um nível épico. Por tudo isto, o 1-0 sabia a pouco ao intervalo.
Na segunda parte, o adversário entrou melhor, muito por culpa da acção do mais prometedor dos seus ics. Ameaçou uma vez, com Rui Patrício a mostrar o porquê de ser um dos melhores guarda-redes do mundo (aquela mancha a la Schmeichel é brutal), marcou pouco depois, numa bela arrancada, é verdade, mas onde era obrigatório alguém ter medido o pé (sim, Dier, é para ti. Se levasses amarelo levavas, ponto). A nossa equipa acusou o golo e durante cerca de dez minutos desorganizou-se. A entrada, tardia, de Capel (Leonardo, ainda hás-de explicar-me porque razão demoraste tanto a meter o espanhol) agitou a alma do Leão, recuperou o equilíbrio e permitiu ao meio-campo voltar a pegar no jogo, embalando o Sporting para 15 minutos finais onde ficou provado qual das duas equipas estava satisfeita com a divisão de pontos.
Já a caminho de casa, o fm traz-me a voz do «limpinho, limpinho», a queixar-se da arbitragem. Tão típico, que até mete nojo. Aliás, depois da célebre fase que há-de acompanhar este palhaço para sempre, o homem outra coisa não tem feito senão lamentar as arbitragens. Eu sei que o Jesus é adepto da playstation, e por isso consigo perceber que ele considere inexplicável alguém não ter visto o «fora de jogo consolético» no momento intermédio da construção da jogada (e que jogada, meus amigos) do primeiro golo; também sei que terá que conviver com o punho enfiado no cu que foi o ser obrigado a manter Cardozo, daí a insistência em destacar lances onde o paraguaio seja protagonista. Mas esse mesmo punho enfiado no cu, por certo lhe tolda a vista, só o deixando abrir os olhos duas ou três vezes por jogo. Poderia começar pelo amarelo a Rojo, logo aos oito minutos, numa falta que não existe. Poderia falar de mais uma agressão de Maxi Pereira, que foi transformada em cartão amarelo e que mandaria o Benfica para o balneário a perder e com menos um (diz que o espírito do Capela acompanhou o Hugo Miguel). Poderia falar da sucessão de faltas de Garay, Luisão e Matic, muitas delas para amarelo, que não foram sancionadas, ao contrário do desarme limpo de Carrillo, sobre o meio-campo, transformado em falta com que se inicia o golo do empate. Podia falar da dualidade de critérios gritante que saltou à vista desarmada durante o período em que o benfica teve ascendente.
«oh pai, porque é que o Sporting não ganhou?», pergunta-me a minha filha, pela sexta ou sétima vez, depois de eu ter regressado do derby.
Eu volto a explicar-lhe de forma simples. «porque só marcou um golo, amor. Tinha que marcar mais um para ganhar. Assim, ficaram empatados».
«oh… pai e cantaram “tu vais vencer”?»
«sim, cantámos»
«por isso é que te dói a garganta?»
«sim, por isso e por gritar outras coisas»
«Pai, sabes porque é que a força do Sporting é brutal?», diz-me ela arregalando os olhos e pegando-me nos dois braços. «Porque é uma força assim tão grande, tão grande e porque tem poderes!»
Rendo-me à sabedoria infantil. É que este Sporting tem mesmo poderes. O poder de recuperar a magia de Alvalade. O poder de fazer-nos acreditar que podemos ganhar qualquer jogo. O poder de fazer-me ter vontade de prender o cachecol na janela do carro, deixando o verde e branco ondular ao sabor da velocidade, enchendo o olhar a quem quiser ver. E há quanto tempo eu não tinha vontade de fazer algo assim…