Çarşı, her şeye karşı!*

As equipas estão prontas para o apito inicial, o árbitro dá a bola a Ricardo Quaresma para o primeiro toque do jogo. De repente, os 30 mil adeptos do Besiktas levantam todos (todos!) os braços e começam a gritar “oooooohhhhhhhhh”. Eu penso, no meu quadro mental ocidental, que vão gritar Besiktas assim que o Quaresma tocar na bola. Mas não. Calam-se todos (todos os 30 mil, velhos, novos, crianças, mulheres, todos). Alguém na bancada central grita até três, soltam-se duas pombas brancas e todo o estádio urla “Besiktas”. E começam 30 mil a saltar e a cantar.

O início de um jogo do Besiktas, um normal jogo da Liga turca, é assim. É um puro choque de adrenalina.

Assistir ao vivo a um jogo do Besiktas é uma experiência incrível, quase incompreensível. Meia-hora antes, o estádio fica cheio e durante 30 minutos canta-se. Não com raiva, mas com paixão. Canta-se de uma bancada central para o topo, dentro da mesma bancada, para o outro topo mais pequeno, canta-se da bancada VIP. Canta-se de todo o lado. Minutos antes do jogo, o chefe dos Carsi, a maior claque do clube, costuma ir ao relvado liderar o cântico inicial antes do jogo. No jogo deste fim-de-semana, não foi. Mas liderou da bancada o estádio todo, cheio de adeptos fanáticos pelo facto de serem adeptos daquele clube, independentemente do que acontece no relvado.  

Este absoluto desvario tem raízes na história do próprio clube, apadrinhado por Ataturk, o herói da revolução turca que fundou a república e acabou com o sultão. O Besiktas é o único clube turco com a bandeira da Turquia no símbolo. Antes do jogo, canta-se o hino nacional com uma emoção especial. Os Carsi são mais do que uma claque, são um modo de estar na vida, como os próprios gostam de dizer. Fundaram-se nos bazares do centro de Istanbul, têm um forte carácter social, auto-classificam-se de anarquistas, mas também se definem como sendo tolerantes, anti-racistas, anti-sectários, anti-machistas, pró-ambiente, etc. É uma maneira de estar na vida, mais que um grupo de adeptos de futebol. São de esquerda num país islâmico, com uma recente deriva conservadora. Mas o Besiktas é a sua razão de ser e o amor ao clube é indescritível.

Eu vi o jogo no topo maior, onde cabem 15 mil adeptos. Os Carsi estão na central, como deve ser. A electricidade que vem das bancadas influencia, naturalmente, o que se passa no relvado. Os jogadores parecem, por vezes, mais ansiosos que o normal. Mas os adeptos nunca os deixam cair. Estão sempre a celebrar, até à revelia do próprio jogo. No último jogo, o Besiktas deu a volta ao marcador, com influência decisiva do Quaresma – que, a propósito, é o rei das bancadas, um em cada cinco adeptos tem o nome dele nas camisolas, e quase todos têm camisolas. Quase a meio da primeira parte, os adeptos entusiasmaram-se com um cântico em particular, uma espécie do nosso “faz golo”. Estiveram naquilo um bom minuto, com quase todo o estádio entretido a cantar ou a observar quando… o Konyaspor empatou. Mais de metade do estádio não viu. Levaram um soco no estômago mas, uns minutos depois, lá estavam eles a gritar outra vez.

O facto de terem jogadores como o Quaresma, o Guti, o Bobo, ajuda. Terem sido campeões há dois anos, também. Mas ser do Besiktas é mais que isso, até porque, com o empate final, saíram do estádio tão aziados como eu tenho saído de Alvalade. Mas aquela paixão, aquela militância fundacional é inspiradora. Gostava que o Sporting fosse assim. Obviamente, será outra coisa, nos dias melhores. Tão ou mais violenta nas vitórias, mas proporcionalmente deprimente nas derrotas.

Deve ser bem mais divertido ser do Besiktas, foi o que eu pensei enquanto saía do estádio, um velho estádio sem azulejos, nem bares. Um estádio sujo e desconfortável. Mas com alma.

*Carsi is agains everything!

19 thoughts on “Çarşı, her şeye karşı!*

  1. Excelente post. Só uma correcção se me é permitido, há mais clubes turcos com a bandeira da turquia, como por exemplo o Bursaspor. De todas as formas gostei muito do post e tenho saudades de sentir a vibração que sentia no antigo Alvalade. Tal como o do Besiktas era um estádio desconfortável mas com alma.

    Saudações Leoninas.

  2. que sorte!! desde que a juve leo se separou que nunca mais houve um jogo com essa emoção em alvalade!! Tenho saudades do tempo em que todo o estádio cantava a mesma musica (o jogo contra o Milan onde se estreou o “so eu sei pq nao fico em casa” foi épico) sem ser preciso microfone nem megafone!!
    Hj em dia cada claque canta a sua musica em topos opostos e raramente conseguem contagiar o resto da bancada para os acompanhar…

    é pena! Dava tudo para voltarmos a ter so uma grande claque (nao estou a contar com a torcida que mal se ouve…)!! acredito que só isso ia ajudar a melhorar e muito o ambiente no estádio e tornar o jogos em alvalade mais dificeis para os adversarios…

    • A Torcida não se ouve, é um facto (também fico no topo sul, por isso seria sempre díficil), mas pelo menos costuma estar sempre presente nas modalidades. Sempre tive simpatia por eles por causa disso.

      • Ia escrever exactamente o mesmo Dr. Nick. Ao contrário das outras claques, a Torcida vai a todas e não apenas quando jogamos contra o slb.

  3. Os estádios na Turquia são uma bosta (pensem de Bonfim para baixo), por isso eles investiram tanto em ganhar o Euro 2016 (perderam por um voto para França, que vai fazer estádios incríveis, mas de certeza que o vão organizar em 2020). Ler isto dá um enorme saudosismo, mas há coisas que não voltam para trás.

    Isto não quer dizer que não se possa melhorar o nosso clima. Basta ver os estádios na Alemanha para perceber como as coisas devem ser feitas: ambiente espectacular, bilhetes baratos e uma grande organização (quem vem de fora tem o bilhete de comboio grátis). A Sudtribune do Dortmund, o maior peão da Europa com 25.000 é um ambiente único. Adorava que Alvalade tivesse uma coisa desse género.

  4. O Núcleo Sportinguista de Paço de Arcos vai realizar no próximo dia 26 de Novembro pelas 21 horas, no auditório do Alto da Barra em Oeiras o seu 1º colóquio sobre futebol com o tema:

    Constituição dos Planteis: Jogadores da formação e do mercado

    Com os seguintes oradores convidados:

    • José Couceiro
    • José Eduardo
    • Pedro Gomes
    • Manolo Vidal
    • Vitor Candido (Jornalista)

    Contamos com a sua presença.

    Núcleo Sportinguista de Paço de Arcos

  5. Grande post, Douglas… deu para sentir o arrepiozinho na espinha. Não me parece, no entanto, que a realidade alguma vez fosse transponível para a realidade do nosso Sporting mesmo no velhinho Alvalade. Poderíamos ter um ambiente algo parecido nos jogos grandes (entenda-se benfica, porto e algum clube grande que nos calhasse na UEFA) mas no jogo banal do fim de semana, se o campeonato não estivesse a correr de feição, o estádio estava às moscas outra vez. A resalva que é feita (quer corra bem ou mal o estádio do besiktas enche e todos eles continuam a cantar) infelizmente nunca se aplicou ao Sporting e, pasme-se, a situação piorou com o quebrar do jejum – quando ganhámos as ruas encheram-se de gente e Portugal pintou-se de verde, mas na época seguinte à mínima derrota lá começou a contestação e todo o verde desapareceu. Resumindo, as diferenças entre um besiktas ou um river e um Sporting não estão no clube, mas sim nos adeptos e na sua maneira diferente de viver o seu clube…

    • Realmente estas declarações são esclarecedoras quanto ao que se passa no nosso clube…

      Já agora, para quem está tão preocupado em insultar um jogador que deu tudo pelo clube, que fez 90 e tal jogos seguidos sempre em alta rotação, que era titular (e bem!) aos 18 anos…enfim, digo apenas que deveria direccionar essa raiva para a tribuna e não para o relvado, porque lá vão estar sentados os 2 maiores inimigos do SCP – JEB&PC!!

  6. Grande post.

    O nosso estádio tem alma mas a equipa não. No passado podíamos perder mas sempre em grande estilo, hoje não. Hoje vivemos bem com a desgraça. O Inácio foi campeão e acabou despedido por muito menos do que o que este anormal anda a fazer.A questão do estádio velho ou novo é falsa. Os 5-3 ao Benfica, o 4-1 ao Newcastle, os 3-0 ao Porto e ao Everton, etc., falam por si. Nesses momentos tento parar e olhar para aquela multidão a gritar em Alvalade, é perfeito! Tenho saudades.

    Viva o Sporting!

  7. Pingback: Anónimo

Deixe um comentário